Três temas relevantes para o STF decidir com urgência

O Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, deve fixar definitivamente a jurisprudência em torno de questões constitucionais controvertidas e de vital importância para o País. E sua decisão definitiva, unânime ou por maioria de votos, acertada ou não, deve ser observada por todos os integrantes do Poder Judiciário, sob pena de o Direito não cumprir a sua missão precípua de pacificar e harmonizar as reações entre os indivíduos e entre estes e o Estado.  Somente a jurisprudência estável do STF poderá conferir efetividade ao princípio da segurança jurídica esculpida na Constituição (art. 5º, caput).

Examinemos em rápidas pinceladas três dos temas que merecem urgente definição da Corte Suprema:

  1. Prisão de parlamentares

Dispõe o § 2º, do art. 53 da CF:

 

“Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderá ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros resolva sobre a prisão”.

 

Pergunta-se, cabe o mesmo procedimento em relação a parlamentares estaduais?

Recente episódio do Rio envolvendo a prisão de Deputados teve um desfecho inesperado. Decretadas as prisões de Deputados pelo TRF2, a Assembleia Legislativa do Rio invalidou essas prisões determinando diretamente a soltura dos parlamentares, sem prévia comunicação ao Judiciário a quem cabia a expedição dos mandados de soltura, se fosse o caso. Esse atropelo processual fez com que o TRF2, ferido em seus brios, revidasse com a decretação de nova prisão. A questão encontra-se sub judice perante o STF.

Na ordem constitucional antecedente havia um preceito prescrevendo que os princípios da Constituição consideravam-se incorporados ao Direito Constitucional legislado dos Estados. Na Constituição de 1988 o art. 25 prescreve:

“Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem observados os princípios desta Constituição”.

Ninguém nega que a União, Estados, DF e Municípios são entidades políticas juridicamente parificadas e autônomas (art. 18). Isso conduz a divisão do Poder por espaços regionais e sub-regionais.

Se entendermos que o disposto no § 2º, do art. 53 da CF expressa um princípio ou decorre do princípio federativo da separação dos Poderes (art. 2º) é perfeitamente sustentável a tese de que cabe à Assembleia Legislativa resolver sobre as prisões de seus membros decretadas pelo Judiciário.

Não há, ainda, precedentes da Corte Suprema nem na esfera da União. É verdade que há uma decisão do Plenário do STF, tomada por maioria de votos, entendendo que a medida cautelar de recolhimento noturno[1] decretada em relação a um Senador deve ser apreciada pelo Senado Federal.

  1. Prisão em segunda instância

Já existe um precedente do Plenário do STF determinando a prisão com a decisão condenatória em segunda instância. Entretanto, membros do próprio STF têm proferido decisões monocráticas em sentido contrário apoiados no inciso LVII, do art. 5º da CF:

“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

 

É o princípio da presunção de não culpabilidade, como diz acertadamente a Profª Ivete Senise, mas que, na prática, é conhecido como princípio da presunção de inocência.

Aqui me parece que não é apropriada a fixação de tese da prisão em segunda instância de forma generalizada. Cabe fazer o exame de cada caso concreto. Se a condenação ocorreu exclusivamente no plano fático, isto é, o reconhecimento de que o acusado cometeu o crime que lhe foi imputado é sustentável a tese da prisão em segunda instância. Nesse caso, eventuais recursos, especial ou extraordinário, não seriam conhecidos[2]. Há nessa hipótese, virtual trânsito em julgado da decisão condenatória. Contudo, se a decisão condenatória tiver fixado a tese da tipicidade da conduta imputada ao acusado, rechaçando a tese da defesa no sentido de que a conduta comprovada do acusado não está tipificada no ordenamento jurídico-penal, somente com o trânsito em julgada dessa decisão condenatória é que a prisão se legitima. Tratando-se de controvérsia de natureza jurídica cabe o reexame pelos tribunais superiores.

  1. Foro privilegiado

Dispõe a letra b, do inciso I, do art. 102 da CF que compete ao STF:

“I – Processar e julgar originariamente:

  1. nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República”.

 

Esse preceito constitucional é o responsável pelo acúmulo exagerado de processos na Corte Suprema que não é um órgão vocacionado para proceder a instruções criminais, prejudicando o funcionamento regular da Corte na solução de outras questões de vital interesse do País.

Convém fixar uma tese dentre as várias existentes: (a) foro privilegiado apenas para crimes cometidos que tenham relação direta ou indireta com o exercício do mandato; (c) iniciado o processo em primeira instância, a investidura do acusado no cargo de parlamentar não implica alteração do foro; (c) processo iniciado no STF prossegue sem alteração de foro ainda que o acusado venha perder a condição de parlamentar.

O importante é evitar a dança dos processos de um lugar para outro segundo o acusado esteja investido ou não no cargo de parlamentar em diferentes momentos. Essa movimentação do processo de primeira instância para o STF e vice-versa retarda a solução do caso e acaba provocando a extinção da punibilidade pelo advento da prescrição.

O fato é que o foro privilegiado é uma exceção e como tal deve ser interpretado com intensa restrição. Autores existem sustentando a contrariedade ao princípio federativo que abriga o princípio da igualdade de todos perante a lei. Esse princípio submeteria todos ao juiz de primeira instância. Só que a exceção está prevista no próprio texto constitucional, pelo que é preciso uma interpretação que se harmonize com os diferentes dispositivos constitucionais. É tarefa que incumbe ao STF definir com a possível brevidade.

 

SP, 26-11-17.

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[1]  Pena alternativa prevista no CPP que difere da prisão de que cuida o texto constitucional.

[2] Tribunais Superiores não conhecem de recursos versando sobre controvérsias de natureza fática, mas, das decisões proferidas em  habeas corpus caberá sempre o recurso ordinário para o STF ou STJ.

 

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