Grassa séria controvérsia na jurisprudência de nossos tribunais superiores sobre o tema em epígrafe.
O STF e o STJ têm posições antagônicas em decisões proferidas sob a sistemática de repercussão geral e sob o rito de recursos repetitivos, respectivamente.
À primeira vista pode parecer que a matéria – tributação da taxa Selic – situa-se no nível infraconstitucional, a firmar a tese da soberania do Tribunal da cidadania, mas não é bem assim.
Para o perfeito entendimento da matéria é preciso, antes de tudo, definir o que significa taxa Selic, não podendo posicionar-se a favor desta ou daquela tese por uma questão de mera preferência.
A taxa Selic é fixada a cada 45 dias pelo COPOM, órgão do Banco Central formado pelo seu Presidente e Diretores.
Ela é composta de atualização monetária do débito/crédito mais os juros de mora.
Por isso, o STF decidiu sob a égide de repercussão geral (Tema 808) que não incide o imposto de renda sobre juros moratórios devidos “pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função”, conforme decisão abaixo:
“Decisão: O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 808 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário, considerando não recepcionada pela Constituição de 1988 a parte do parágrafo único do art. 16 da Lei nº 4.506/64 que determina a incidência do imposto de renda sobre juros de mora decorrentes de atraso no pagamento das remunerações previstas no artigo (advindas de exercício de empregos, cargos ou funções), concluindo que o conteúdo mínimo da materialidade do imposto de renda contido no art. 153, III, da Constituição Federal de 1988, não permite que ele incida sobre verbas que não acresçam o patrimônio do credor. Por fim, deu ao § 1º do art. 3º da Lei nº 7.713/88 e ao art. 43, inciso II e § 1º, do CTN interpretação conforme à Constituição Federal, de modo a excluir do âmbito de aplicação desses dispositivos a incidência do imposto de renda sobre os juros de mora em questão. Tudo nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Gilmar Mendes. Foi fixada a seguinte tese: “Não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função”. (Plenário, Sessão Virtual de 5.3.2021 a 12.3.2021).
Com base nessa decisão, inúmeras ações de repetição de indébito foram ajuizadas.
Interpretando equivocadamente aquela decisão do STF várias decisões de primeira instância vêm afastando a repetição de indébito nas hipóteses de imposto incidente sobre juros moratórios computados no pagamento de verba sucumbencial, porque não resulta de remuneração proveniente de vínculo laboral.
É descabida a interpretação literal da decisão plenária do STF que tem origem na tese da intributação de verbas de natureza indenizatória que começou com a exclusão da incidência do imposto sobre férias e terço de férias.
Foi nesse cenário que o STF, após longos anos de discussão, decidiu em sede de repercussão geral que não incide o IR sobre os juros de mora, buscando o conceito constitucional de renda a atrair a competência da Corte Suprema.
Todavia, o STJ trilhou caminho diverso decidindo por ambas as Turmas (Primeira e Segunda) da Primeira Sessão pela incidência do IR e da CSLL sobre juros moratórios recebidos pelo credor em razão do inadimplemento contratual.
Para o STJ, esses juros moratórios têm natureza de lucros cessantes como veio a decidir a Primeira Sessão desse Colendo Tribunal.
Na verdade, são inconfundíveis juridicamente os juros moratórios dos lucros cessantes.
Enquanto os primeiros destinam-se a ressarcir o credor pela mora no adimplemento da obrigação contratual, os lucros cessantes, ao teor do art. 402 do Código Civil, significam reposição daquilo que o credor razoavelmente deixou de lucrar em razão de um evento danoso causado por terceiro. Exemplo: O METRÔ, para construir uma linha subterrânea em determinada via, interdita o acesso às lojas em um dos lados da via pública. Os lojistas deixam de auferir lucros no exercício de sua atividade comercial, fazendo jus à percepção dos lucros cessantes. Outro exemplo: A Prefeitura desapropria o estacionamento anexo a um supermercado, causando a fuga de clientela contribuindo para diminuir seus lucros.
O STF apreciando o tema nº 962 da repercussão geral, decidiu, por unanimidade de votos, “dando interpretação conforme à Constituição Federal ao § 1º, do art. 3º da Lei nº 7.713/88, ao art. 17 da Lei nº 1.598/77 e ao art. 43, inciso II e § 1º do CTN (Lei nº 5.172/66), de modo a excluir do âmbito desses dispositivos a incidência do IR e da CSLL sobre a taxa Selic recebida pelo contribuinte na repetição de indébito, nos termos do voto do Relator, fixando a seguinte tese:
“É inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário” (RE nº 1063187, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 16-12-2021)
Por outro lado, o STJ na esteira dos julgados do STF editou as Súmulas 125 e 136 isentando do IR as férias e o terço de férias, respectivamente. Mais tarde editou as Súmulas 386 e 498 isentando do IR as indenizações de férias proporcionais e o respectivo adicional e as indenizações por danos morais, respectivamente.
Indubitável, pois, que o STJ fixou a tese da intributação pelo IR das verbas de natureza indenizatória.
Ora, se os juros moratórios são insuscetíveis de tributação pelo IR em razão de sua natureza indenizatória, igualmente, não pode ser tributado pelo PIS/COFINS que incide sobre a receita.
E aqui é oportuno definir o que é receita, que não se confunde com mero movimento de caixa, isto é, simples ingresso de dinheiro, por exemplo, dinheiro depositado para garantia de instância.
Receita em termos de direito financeiro significa ingresso de dinheiro que vem acrescer o vulto do patrimônio preexistente. Ingresso de verba indenizatória nada acresce ao patrimônio antes existente. Ela simplesmente recompõe o patrimônio antes desfalcado pela mora.
Assim, juros moratórios, não configuram receitas que constituem o fato gerador do PIS/COFINS.
Todavia, a Primeira Sessão do STJ em recente julgado considerou a taxa Selic (composta de juros moratórios mais atualização monetária) não como receita financeira segundo o posicionamento da Receita Federal, mas como uma receita operacional fazendo incidir sobre ela a alíquota de 9,25%, ao invés de 4,65 segundo entendimento anterior.
A Primeira Seção do STJ, sob a sistemática de recurso repetitivo, decidiu que incide o PIS/COFINS sobre a taxa Selic recebida no caso de repetição de indébito tributário e na devolução de depósitos judiciais ou pagamentos efetuados por clientes em atraso.
O STJ sustenta que os juros moratórios percebidos pela impontualidade no adimplemento obrigacional classificam-se, também, como indenização por lucros cessantes para quem os recebam. E os juros incidentes na devolução de depósitos judiciais têm natureza remuneratória constituindo renda ou lucro, já que são produto do capital.
Já vimos a distinção entre juros moratórios e os lucros cessantes. Quanto a última afirmativa do Relator, Ministro Mauro Campbell Marques, de que os juros incidentes sobre o valor depositado judicialmente tem natureza remuneratória está correta.
Realmente, quando o contribuinte promove depósito judicial voluntário do crédito tributário impugnado, para prevenir contra incidência de juros e correção monetária em caso de derrota na ação judicial, e vem lograr vitória na demanda judicial contra a Fazenda promovendo o levantamento da importância depositada, acrescida de juros e correção monetária (Selic) esses juros têm, indubitavelmente, natureza remuneratória tal qual capital aplicado no mercado financeiro.
Por conseguinte sobre eles incidem o IR a CSLL e o PIS/COFINS.
Todavia, afigura-se completamente diversa a hipótese de repetição de indébito tributário acrescido da taxa Selic. Nessa hipótese, caracteriza-se a natureza indenizatória dos juros moratórios.
De fato, o contribuinte teve o seu patrimônio desfalcado pelo pagamento de tributo indevido fazendo jus aos juros moratórios, a partir do trânsito em julgado da decisão proferida na ação de repetição de indébito de acordo com a Súmula 188 do STJ. No nosso entender, esses juros são devidos desde a citação da Fazenda na ação de repetição de indébito que poderá perdurar por longos anos, sempre dependente de recursos protelatórios interpostos pelo poder público. Ação de repetição pressupõe trânsito em julgada da decisão que declarou a inconstitucionalidade do tributo. Não se pode exigir, a nosso ver, duplo trânsito em julgado para fixar o termo inicial dos juros moratórios.
A taxa Selic, no caso, simplesmente está recompondo o patrimônio antes desfalcado pelo pagamento de tributo indevido, nada tendo a ver com juros remuneratórios, pois não houve aplicação do capital pelo contribuinte, muito menos com os lucros cessantes, como visto anteriormente.
Concluindo, não se pode misturar conceitos diferentes – juros moratórios, juros remuneratórios e lucros cessantes – para conferir idêntico tratamento jurídico, fazendo incidir o PIS/COFINS sobre a taxa Selic como regra geral.
SP, 5-8-2024.
* Texto publicado no Migalhas, edição nº 5.908, de 6-8-2024.