Tributação de renda auferida no exterior por pessoa física residente no Brasil*

A Medida Provisória nº 1.171, de 30 de abril de 2023, instituiu como medida de compensação da elevação da faixa de isenção do IRPF a tributação da renda auferida no exterior por pessoas físicas residentes no País.

Dispõem os arts 1º e 2º da citada Medida Provisória:

“Art. 1º A renda auferida por pessoas físicas residentes no País em aplicações financeiras, entidades controladas e trustsno exterior será tributada pelo Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas – IRPF segundo o disposto nesta Medida Provisória.”

“Art. 2º A pessoa física residente no País computará, a partir de 1º de janeiro de 2024, de forma separada dos demais rendimentos e dos ganhos de capital, na Declaração de Ajuste Anual – DAA, os rendimentos do capital aplicado no exterior, nas modalidades de aplicações financeiras, lucros e dividendos de entidades controladas e bens e direitos objeto de trust.

§ 1º Os rendimentos de que trata o caput ficarão sujeitos à incidência do IRPF, no ajuste anual, pelas seguintes alíquotas, não se aplicando nenhuma dedução da base de cálculo:

I – 0% (zero por cento) sobre a parcela anual dos rendimentos que não ultrapassar R$ 6.000,00 (seis mil reais);

II – 15% (quinze por cento) sobre a parcela anual dos rendimentos que exceder a R$ 6.000,00 (seis mil reais) e não ultrapassar R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais);

III – 22,5% (vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento) sobre a parcela anual dos rendimentos que ultrapassar R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

§ 2º Os ganhos de capital percebidos pela pessoa física residente no País na alienação, na baixa ou na liquidação de bens e direitos localizados no exterior que não constituam aplicações financeiras nos termos desta Medida Provisória permanecem sujeitos às regras específicas de tributação dispostas no art. 21 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995.”

Essa tributação a nosso ver viola ostensivamente o princípio da territorialidade das leis. Mas, essa é uma das matérias em que não encontra unanimidade na doutrina, por isso respeitamos as opiniões em sentido contrário.

Assim como no âmbito interno a legislação tributária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente surte efeitos nos limites em que reconheçam extraterritorialidade os convênios de que participam, ou do que dispuser lei complementar, conforme dispõe o art. 102 do CTN, no âmbito internacional, a eficácia extraterritorial das leis tributárias brasileiras estará na dependência dos limites em que lhe reconheçam os tratados ou convenções internacionais, a fim de evitar a bitributação.

Sem tratado ou convenção, a renda auferida por brasileiro no exterior somente poderia ser alcançada pela lei brasileira se e quando ela ingressar no País, da mesma forma que o crime cometido no exterior por brasileiro somente se sujeitará à lei penal brasileira quando ele ingressar em nosso território (Art. 7º, inciso II, § 2º, a do Código Penal).

Uma renda não pode ser tributada no estrangeiro e ao mesmo tempo no Brasil, sem acordo bilateral com todos os países onde o fisco brasileiro pretende tributar, sob pena de acarretar bitributação ofendendo o princípio da isonomia tributária, segundo o qual para cada fato gerador ocorrido os contribuintes em geral devem pagar uma única vez.

No exame da extraterritorialidade das leis brasileiras há que se distinguir o objeto do imposto, que é a renda situada no estrangeiro, com o sujeito passivo do imposto, que é a pessoa física residente no Brasil.

Da forma como se acham redigidos os arts. 1º e 2º as aplicações financeiras no exterior regularizadas pela Lei de Repatriação, Lei nº 13.254, de 13 de janeiro de 2016, que dispõe sobre o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributação – RERCT – serão, igualmente, alcançadas pelo fisco federal, sem direito à dedução do imposto pago no estrangeiro, salvo nas hipóteses em que o Brasil tenha firmado acordo para evitar bitributação, quando, então, o imposto pago no estrangeiro poderá ser deduzido.

A tributação em base universal, que substituiu a tributação em base territorial dentro do movimento de universalização da soberania fiscal, só tem aplicação em relação às pessoas jurídicas.

De fato ela foi instituída pela Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, que prescreveu a tributação de lucros auferidos no exterior dispondo que “os lucros, rendimento e ganhos de capital auferidos no exterior serão computados na determinação do lucro real das pessoas jurídicas correspondentes ao balanço levantado em 31 de dezembro de cada ano (art. 25).

Essa matéria foi submetida a julgamento pelo STF na ADI nº 2.588/DF, de Relatoria da Ministra Ellen Gracie, DJe 10-2-2014, julgada parcialmente procedente para dar interpretação conforme o art. 74 da MP nº 2.158-35, bem como declarar a inconstitucionalidade do efeito retroativo previsto no art. 74, parágrafo único da citada MP nº 2.158/01.

Hoje a matéria é regida pela Lei nº 12.973, de 13-5-2014 que permite a incidência do imposto de renda e da CSLL sobre lucros não distribuídos no caso de empresas controladoras, mas não das coligadas, conforme se verifica da redação de seu art. 77, caput e § 1º, art. 78, § 2º, art. 81, § 1º e §§ 2º e 3º e art. 82, I e II da Lei nº 12.973/2014.

A tributação da renda em base universal é compatível com a legislação brasileira em relação às pessoas jurídicas, tendo apoio no BEPS (Base Erosion And Profit Shifiting) que é uma proposta elaborada pela OCDE e pelo G20 para coibir a elisão tributária por meio de transferências fictícias dos lucros das pessoas jurídicas para paraísos fiscais valendo-se de empresas coligadas. Isso não acontece com a pessoa física que é ser humano enquanto indivíduo, descabendo a cogitação de outro tipo de pessoa física.

O Brasil não é membro da OCDE, pelo que não é obrigado a seguir as suas diretrizes, mas, é considerado um key partner dessa Organização e tem firmado acordos de cooperação com ela. Aderiu à tributação das pessoas jurídicas em base universal porque tem interesse em combater o sonegação fiscal por meio de operações fictícios com empresas coligadas situadas em paraísos fiscais da mesma forma que, na década de 90, aderiu à regra tributária do transfer pricing criada pela OCDE com a mesma finalidade.

Em se tratando de renda auferida no exterior por pessoa física não pode prescindir de tratado bilateral ou multilateral, conforme o caso, para evitar a bitributação.

Tanto é assim que o art. 115 do IR em vigor dispõe que o imposto pago no exterior poderá ser deduzido em conformidade com o previsto em acordo ou convenção internacional firmado com o país de origem dos rendimentos, e desde que haja reciprocidade de tratamento em relação aos rendimentos produzidos no Brasil.

Concluindo, sem embargo das opiniões em contrário é inconstitucional a tributação de pessoa física residente no País por renda auferida em outro País que não tenha celebrado acordo para evitar a bitributação.

Não temos acordo firmado com os Estados Unidos onde se concentram grande parte das aplicações feitas por brasileiros aqui residentes. Sua tributação ensejaria bitributação, ofendendo o princípio da isonomia segundo o qual todos estão sujeitos a um só pagamento do imposto de renda para cada fato gerador ocorrido no mundo da realidade.

SP, 26-6-2023.

* Texto publicado no Migalhas, edição nº 5.630 de 27-6-2023.

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