A Medida Provisória nº 1.171/2023 instituiu a tributação progressiva de rendas auferidas no exterior por pessoas físicas residentes no País.
Até a renda anual de R$ 6.000,00, a alíquota é de 0%; superior a R$ 6.000,00 até R$ 50.000,00, a alíquota é de 15%; e superior a R$ 50.000,00, a alíquota é de 22,5%.
Na época, posicionamo-nos pela inconstitucionalidade dessa tributação extraterritorial, porque a legislação brasileira não pode alcançar situações ocorridas no estrangeiro.
O Congresso Nacional não teve interesse em apreciar a aludida medida provisória que acabou caducando.
O mesmo governo, que timbra por fantásticas despesas seguidas de fenomenal aumento tributário, reinstituiu a tributação dos ganhos auferidos no estrangeiro, sancionando a Lei nº 14.754, de 12 de dezembro de 2023, fazendo com que o Brasil se posicione como um país que mais tributa no mundo, se levado em conta os pífios serviços públicos prestados à população em geral. A alíquota dessa tributação extraterritorial é de 15% (art. 2º, § 1º da Lei nº 14.754/2023).
Este governo progressista e gastador, que herdou um superávit de R$ 59,7 bilhões do governo anterior, conseguiu a façanha de cavar um déficit de R$ 230,5 bilhões no primeiro ano de seu governo, o que equivale a 2,12% do PIB. Como se explica uma coisa dessas?
A pretexto de firmar parceria com a China levou, no início de 2025, um séquito de turistas composto por 1.000 pessoas, todos eles contemplados com cartões corporativos que se prestam às despesas pessoais nebulosas, que o TCU não consegue fiscalizar e controlar. Tantas pessoas em “missão comercial” mais atrapalham do que ajudam.
A taxação de rendas auferidas no exterior, segundo a explicação do governo gastador, tem por objetivo impedir que capitalistas nacionais façam aplicações nos países de baixa tributação.
Pergunta-se, por que não baixar o nível de tributação no Brasil? O que afugenta o capital nacional é exatamente a tributação escorchante que embute mais de 50% nos preços das mercadorias e dos serviços.
Com a tributação baixa incrementaria a produção de riquezas, bem como elevaria o nível de emprego fazendo com que a receita tributária se eleve consideravelmente.
Mas, aqui a lótica não funciona. Governante míope adota a política de “tribute mais antes que acabe”.
A mesma maldade criativa foi usada para aumentar a arrecadação, por via do simpático instrumento normativo, que isentou os rendimentos de até R$ 5 mil mensais. Perdeu R$ 26 bilhões com a isenção e compensou com aumento tributário que supera três vezes a perda da receita de R$ 26 bilhões.
Essa tributação extraterritorial é sustentada pelo governo perdulário e parte da doutrina especializada com a substituição do princípio da territorialidade pelo princípio da universalidade da renda, também, conhecido como princípio da renda mundial.
Outrossim, essa tributação de base global, segundo a mesma fonte, atenderia melhor ao princípio da isonomia, porquanto os que atuam no mercado interno e os que fazem aplicações no exterior seriam tratados de forma igual.
A Lei sob exame quer, na verdade, abolir a liberdade de escolha do contribuinte de aplicar os seus recursos financeiros onde melhor atender a seus interesses.
Essa tributação, que afronta o princípio da territorialidade, imanente em todo e qualquer ordenamento jurídico, vai de encontro aos princípios informados da ordem econômica expressos no art. 170 da CF.
O grande mal dessa tributação de base global é que pode ensejar bitributação, ou até mesmo puritributação internacional.
Diga-se, a bem de verdade, que o mundo caminha para a integração dos mercados internos e externos que fortalece a tese da tributação universal de rendas.
Entretanto, é preciso que a ordem jurídica internacional adote mecanismos que evitem a tributação da mesma renda por duas ou mais vezes, pois isso atentaria contra o princípio maior da razoabilidade.
Concluindo, uma forma de evitar a bi ou tritributação é a de circunscrever essa tributação de base universal no âmbito dos países com os quais o Brasil mantém tratado de não bitributação, cujas normas pairam acima das normas internas, nos precisos termos do art. 98 do CTN:
“Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.”
Por isso, o art. 115 do RIR dispõe que “a dedução do imposto pago no exterior depende de acordo para evitar bitributação”.
O Brasil mantém acordo para evitar bitributação apenas com 24 países mencionados no Ato Declaratório Cosit nº 31, de 10-9-1998, dentre os quais não figuram os Estados Unidos, onde se concentram grande parte das aplicações financeiras por brasileiros residentes no País.
Dessa forma, o alcance da tributação referida no art. 2º da Lei nº 14.754, de 12-12-2023, fica restrito ao âmbito dos 24 países com os quais o Brasil mantém acordo para evitar a bitributação.
SP, 21-4-2025.
* Texto publicado no Migalhas, edição nº 6.084, de 23-4-2025.