Últimas medidas aprovadas pelo Congresso Nacional podem prejudicar o plano econômico do futuro governo.
O Congresso Nacional nos estertores da sessão legislativa está demonstrando uma agilidade fora do comum, certamente, movido por interesses corporativistas de seus ilustres integrantes, produzindo instrumentos normativos com uma velocidade nunca d’antes vista.
Veremos em rápidas pinceladas as principais medidas aprovadas que poderão impactar a economia do País.
I – Elevação dos subsídios do STF
O Senado Federal aprovou recentemente com celeridade incomum o projeto legislativo relativo ao aumento dos subsídios dos Ministros do STF para 39,2 mil.
Nada temos contra os ilustres Ministros daquela Alta Corte de Justiça do País. Pessoalmente, entendo que eles devem perceber acima do novo subsídio fixado, considerando a relevância dos cargos que ocupam, bem como o regime de dedicação exclusiva da grande maioria de seus integrantes, a causar desgastes físico e mental para dar conta da quantidade enorme de processos que não para de crescer ao longo do tempo. Aliás, o que ganham os Ministros do STF é muito pouco se comparados os seus subsídios com os vencimentos ganhos por alguns Desembargadores de determinados Estados da Federação, sempre com a denominação de “verbas atrasadas”. Só que ninguém sabe e nem se descobre quando teve início e quando terá fim o pagamento dessas “verbas atrasadas”. Os experientes e cultos Ministros do STF fora da judicatura, certamente, ganhariam muito mais do que os subsídios que percebem. Sabemos que um parecer jurídico simples de um jurista custa no mínimo 100 mil.
O grande problema está no efeito cascata desse aumento no momento em que o País se encontra em crise financeira com um déficit primário de 126 bilhões e déficit nominal de 562,8 bilhões e, ainda, com tendências ao crescimento desse endividamento, colocando em risco o nosso crescimento econômico, indispensável para atender à crescente demanda nos setores de serviços essenciais. Certamente, outras categorias pleitearão o mesmo benefício invocando indevidamente o princípio da isonomia, na verdade, inaplicável ao caso, pois situações desiguais não podem ser tratadas igualmente.
II – Alteração da LRF
A LRF, Lei Complementar nº 101/2000, veio à luz para preservar a saúde financeira do Estado. Sabendo, que uma das grandes causas do desequilíbrio das contas públicas residia na expansão das despesas com pessoal, a LRF, em seu art. 19, estabeleceu limites máximos de comprometimento da receita líquida corrente de cada entidade política componente da Federação.
Para os municípios ficou fixado o percentual de 60% de sua receita corrente líquida para prover as despesas com pessoal. E o art. 20 dividiu esse percentual da seguinte forma: a) 6% para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Município, quando houver; e b) 54% para o Executivo. Saliente-se que o limite de despesas por Poder foi considerado constitucional pelo STF.
Pois bem, a pretexto de que nos últimos anos os municípios entraram em crise financeira, a Câmara Federal aprovou o Projeto Legislativo que eleva esse percentual máximo de 60% da receita correta líquida para as despesas com pessoal, desde que comprovada a redução de receita da ordem de 10% de um exercício para outro.
Ora, exatamente para enfrentar essa situação enfocada pelos legisladores a LRF em seus artigos 22 e 23 prevê mecanismo de contenção de despesas com pessoal a ser aplicado ao final de cada quadrimestre. Uma das medidas preconizadas envolve até demissão de servidores estáveis, em último caso.
O legislador, sem sequer investigar as causas da superação do limite de despesas com pessoal, acabou por propor alteração desse limite de 60% que, por si só, já é bastante exagerado.
Um bom governante jamais poderia comprometer as receitas públicas até o limite máximo previsto. Esse limite máximo é para ser atingido tão somente em casos excepcionais, nunca de forma rotineira. Não se pode perder de vista que os servidores públicos são meios para que o município atinja as finalidades públicas previstas na Constituição. Não são um fim em si mesmo. É chocante a ideia de que 60% da receita pública, em sua maioria originária de tributos pagos pelos contribuintes com imensos sacrifícios, seja direcionada para despesas com a folha, ou seja, para a atividade-meio.
Os mesmos legisladores que aprovaram a expansão dos limites máximos de despesas com pessoal, em face de diminuição de receitas dos municípios nos últimos anos, são os que estão discutindo, a toque de caixa, a proposta de Reforma Tributária que retira dos municípios o ISS, um imposto de maior arrecadação municipal, sem nada dar em troca. É óbvio e ululante a piora nas receitas dos municípios. Onde a coerência legislativa? Se esse projeto de reforma, que de simplificação só tem o nome, passar como apresentado, o limite de despesas com pessoal deverá ser alterado para próximo de 100% da receita corrente líquida dentro da lógica do raciocínio adotado pelos legisladores que aprovaram o aumento do limite de despesas com pessoal. A reforma tributária não pode ser considerada como uma panaceia para todos os males, conforme texto que escrevemos anteriormente. Não se faz uma reforma com vaidade, mas com verdade emanada da prática do dia a dia. A quantidade de tributos previstos na Constituição, por si só, em tempo algum constitui-se no fator de complexidade ou de dubiedade. Para simplificar a legislação tributária tornando-a inteligível e de fácil operacionalização basta tão somente varrer o lixo autoritário amontoado pela legislação ordinária resultante da ação nefasta de insensíveis burocratas incrustados no seio da administração tributária. No âmbito do Município de São Paulo, por exemplo, os servidores burocratas operam diuturnamente com modificações de programas de computadores que os contribuintes devem acessar para cumprir suas obrigações tributárias principais e acessórias. Para prestar esclarecimentos que o sistema informatizado é totalmente inoperante, o burocrata marca uma agenda com incrível espaçamento de tempo, quando deveria estar de plantão o dia inteiro para atender o cidadão-contribuinte que paga seus salários. Esses burocratas, que não prestam contas a ninguém, comportam-se como se estivessem sendo pagos para complicar a vida dos contribuintes. No meu tempo de Prefeitura não era assim. Pelo menos os que trabalhavam sob o meu comando tinham que prestar bons serviços ao público e no devido tempo. Quem desconhece essa realidade não deveria estar agitando a bandeira da reforma tributária para simplificar. Aliás, essa proposta de reforma em discussão no Congresso Nacional tem tudo para simplificar a forma de complicar totalmente o sistema tributário vigente.
III – Os legisladores em final de mandato (2/3 deles) aprovaram a fixação da multa equivalente a 50% dos valores pagos pelos compromissários compradores de imóveis em caso de desistência
Pela sistemática atual esse percentual de multa vem sendo fixado pelo Poder Judiciário mediante exame de cada caso concreto situando-se em torno de 20% do valor das prestações pagas, tendo em vista o espírito que norteou a elaboração do Código de Defesa do Consumidor que não tolera obrigações iníquas ou abusivas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada.
Com essa medida legislativa aprovada pela Câmara dos Deputados o Código de Defesa do Consumidor foi esvaziado em sua função de proteger os direitos do consumidor, assumindo a característica de um Código de Defesa da Construção Civil para socorrer o setor, neste momento de crise econômica.
Trata-se de uma visão parcial e unilateral de um fenômeno bem mais amplo.
A crise econômica atingiu, não apenas o setor da construção civil, mas os setores comerciais, industriais e de serviços, causando um desemprego da ordem de 13 milhões de pessoas. Consequentemente, atingiu em cheio os consumidores que perderam o seu poder aquisitivo.
Mas, os legisladores movidos por interesses corporativistas, alheios ao sofrimento de milhares de consumidores, aproveitaram a situação de inadimplência para impor a exagerada multa de 50%. Isso é vestir alguns santos e desvestir milhares.
Essa criação legislativa não tem impacto direto no plano do futuro governo, como as duas primeiras medidas retro referidas, mas trará reflexos negativos na ordem social que está atrelada à ordem econômica.
IV – Outros projetos de impactos econômicos estão na pauta
A Câmara dos Deputados está preparando as votações de outros pacotes legislativos que poderão impactar as finanças públicas no próximo governo causando rombos bilionários:
- Parcelamento dos débitos do Funrural, projeto apoiado pela bancada ruralista, com um custo estimado de 34 bilhões;
- Prorrogação dos benefícios fiscais do Sudene e do Sudam e extensão do benefício para o Sudeco, conforme quer o Senador Eunício de Oliveira em fim de mandato, sem renovação. Vai custar ao Tesouro cerca de 9,3 bilhões;
- Na MP que prevê a repartição dos recursos do fundo social do pré-sal entre Estados e Municípios a bancada mineira conseguiu meter um jabuti que vai custar 4 bilhões aos cofres da União para anistiar a Cemig.
É claro que com a aprovação de medidas legislativas da espécie não restará outra alternativa ao novo governo, contra sua vontade, senão elevar a carga tributária que irá espantar ainda mais os investidores no Brasil. É preciso, se é que isso é possível, criar uma corporação de contribuintes para se opor a tantas corporações existentes (dos ruralistas, dos pastores, dos servidores públicos, dos sindicalistas etc.) que não se limitam a pressionar os congressistas, o que seria natural e legítimo, mas os integrantes dessas corporações estão legislando, o que é muito grave, porque os legisladores deixam de ser representantes do povo, para serem representantes deles próprios.
Concluindo, para superar a crise econômica, resultante em última análise da crise ética, há que se observar rigorosamente o princípio da independência e harmonia dos poderes. Não pode um Poder fazer o que bem lhe aprouver. É preciso muito diálogo e entendimento entre os três poderes para superar o atual quadro econômico-financeiro do País que aponta um endividamento de 71% do PIB, com perspectivas de sua elevação para 91% do PIB até o ano de 2022, quando a média dos demais países em desenvolvimento situa-se em torno 50%.