A decisão proferida pela 2ª Câmara de Direito Público do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo proclamou a favor da impetrante do mandado de segurança a existência de coisa julgada material que impede a aplicação do redutor salarial sobre a verba honorária por ela percebida, mas ao mesmo tempo, extinguiu a ação mandamental destinada à sua proteção, sob o fundamento de que cabe ao poder público respeitar a coisa julgada. Pela sua importância nos âmbitos do direito constitucional, processual, administrativo e financeiro, bem como pelo seu ineditismo publicamos na íntegra essa decisão que nos causou surpresa. O nosso espanto foi maior porque o I. Relator da apelação foi o mesmo julgador que em grau de agravo de instrumento havia ampliado os termos da liminar concedida para obstar a aplicação do redutor salarial sobre a verba honorária, exatamente por causa da coisa julgada material cuja existência reconheceu.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação nº 0008258-20.2012.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, é apelado MARIA REGINA CARVALHO PINTO TELESCA.
ACORDAM, em 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de
Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Julgaram extinto o processo, V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RENATO DELBIANCO (Presidente sem voto), VERA ANGRISANI E EDSON FERREIRA.
São Paulo, 2 de Julho de 2013
CLAUDIO AUGUSTO PEDRASSI
RELATOR
Voto n.º 5.600
Apelação Cível n.º 0008258-20.2012.8.26.0053
Apelante/Apelada: Prefeitura Municipal de São Paulo
Apelada/Apelante: Maria Regina Carvalho Telesca
Interessado: Secretário Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão da Prefeitura de São Paulo
Vara de origem: 3ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo
REEXAME NECESSÁRIO. Interposição obrigatória, nos termos do art. 14, § 1º, da Lei nº 12.016/09.
SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. Mandado de Segurança. Procurador do Município de São Paulo. Redução de proventos. Teto remuneratório. Questão coberta pela coisa julgada em favor da impetrante, nos termos do v. acórdão nº 261.6861/8-00. Coisa julgada material que não pode ser violada. Respeito à segurança jurídica. Ausência de interesse processual da autora, bem como da necessidade e utilidade da ação, que se declara extinta, nos termos do art. 267, inc. VI do CPC. Reexame necessário, recursos voluntário da autora e da Municipalidade prejudicados.
Vistos.
Trata-se de mandado de segurança impetrado por Maria Regina Carvalho Telesca em face do Secretário Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão da Prefeitura de São Paulo, objetivando a abstenção da autoridade coatora aplicar o redutor salarial em seus vencimentos, excluir a verba honorária do cálculo do teto salarial e considerar os subsídios dos Ministros do STF como teto remuneratório dos procuradores municipais.
A r. sentença de fls. 157/159 julgou a ação parcialmente procedente para determinar a irrepetibilidade das verbas recebidas a maior, pela impetrante de boa-fé, dado o caráter alimentar.
Apelam as partes.
Sustenta a Municipalidade, às fls. 166/176, alegando, em síntese, que os valores pagos a título de vantagem pessoal está sujeito à limitação remuneratória e que, nos termos do art. 2º do Decreto nº 48.138/07, os valores pagos indevidamente devem ser repostos, sob pena de enriquecimento ilícito.
Já a autora, às fls. 178/187, sustenta que, a verba honorária percebida pelos procuradores do município não é paga pelos cofres públicos e, por não ter natureza salarial, não faz sentido incluir no cálculo do teto remuneratório.
Pugnam pelo provimento de seus respectivos recursos.
As contrarrazões, às fls. 195/208 e fls. 216/219, foram ofertadas, respectivamente, pela Municipalidade e autora, onde postulam pelo desprovimento do recurso da parte adversa.
É o relatório.
1. Inicialmente, considera-se interposto o reexame necessário, por força do art. 14, § 1º, da Lei nº 12.016/2009, estabelecendo que “concedida a segurança, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição”.
2. A impetrante, Procuradora do Município de São Paulo, pretendendo a exclusão no teto remuneratório, da verba honorária e que, os valores recebidos a este título não sejam devolvidos, impetrou o presente mandado de segurança por entender presente seu direito líquido e certo.
Argumenta a seu favor que, a verba honorária não é paga pelos cofres públicos e, por não ter natureza salarial, não faz sentido incluir no cálculo do teto remuneratório.
Por outro lado, a Municipalidade sustenta que referida verba, por se caracterizar como vantagem pessoal, entraria no cômputo do teto remuneratório, devendo ser devolvido os valores pagos, que excederam o limite, nos termos do art. 2º do Decreto nº 48.138/07.
A r. sentença deu parcial provimento, para impossibilitar a devolução dos valores pagos a maior, tendo em vista a natureza alimentar de referida verba.
3. De início, consigne-se que o posicionamento deste Relator é de que, os honorários advocatícios pagos aos Procuradores Municipais não constituem vantagens pessoais, sendo que somente estas últimas não estariam sujeitas à limitação do teto remuneratório previsto.
Conseqüentemente, não sendo a verba honorária considerada vantagem pessoal, deveria ela ser incluída no cálculo do teto remuneratório.
Esta posição, inclusive, está pacificada pelo C. Supremo Tribunal de Justiça:
“Recurso extraordinário. Teto remuneratório. Quanto à questão concernente a não ter sido recebido pela atual Constituição o artigo 42 da Lei 10.430, de 29.02.88, do Município de São Paulo, esta Corte, ao julgar, por seu Plenário, o RE 220.397, decidiu que esse dispositivo municipal foi recebido pela Carta Magna de 1988 no tocante ao teto remuneratório nele fixado, não o sendo, porém, no ponto em que fixou esse teto para remuneração bruta, a qualquer título, dos servidores municipais. Esta Corte, que firmou jurisprudência no sentido de que as vantagens pessoais não estão sujeitas à limitação do teto remuneratório, tem entendido, em casos análogos ao presente, que a verba relativa a honorários advocatícios não é vantagem pessoal (RE 220.397). Recurso extraordinário conhecido e provido.” (RE nº 220783, SP, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, Julgamento: 26.02.2002)
“ADMINISTRATIVO. PROCURADORES DO ESTADO DE SÃO PAULO. LEI Nº 10.430, DE 29 DE FEVEREIRO DE 1988, ART. 42. TETO REMUNERATÓRIO. GRATIFICAÇÃO DE GABINETE, ADICIONAL DE FUNÇÃO E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PRECEDENTES. O Plenário deste Tribunal decidiu no sentido de que deverão ser excluídas do cálculo do teto previsto no art. 37, XI, da CF, as vantagens pessoais, como tais, entretanto, consideradas apenas as decorrentes de situação funcional própria do servidor e as que representem uma situação individual ligada à natureza ou às condições do seu trabalho. Recurso conhecido e provido.” (RE nº 215612, SP, 2ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, Julgamento: 14.03.2006).
“Recurso extraordinário. Teto remuneratório. Quanto à questão concernente a não ter sido recebido pela atual Constituição o artigo 42 da Lei 10.430, de 29.02.88, do Município de São Paulo, esta Corte, ao julgar, por seu Plenário, o RE 220.397, decidiu que esse dispositivo municipal foi recebido pela Carta Magna de 1988 no tocante ao teto remuneratório nele fixado, não o sendo, porém, no ponto em que fixou esse teto para a remuneração bruta, a qualquer título, dos servidores municipais. Esta Corte, que firmou jurisprudência no sentido de que as vantagens pessoais não estão sujeitas à limitação do teto remuneratório, tem entendido, em casos análogos ao presente, que a verba relativa a honorários advocatícios não é vantagem pessoal (RE 220.397). Recurso extraordinário conhecido e provido.” (RE 220783/SP, SP, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, Julgamento: 26.02.2002).
4. Contudo, verifica-se, na espécie, coisa julgada material a favor da impetrante, nos termos do art. 5º, inc. XXXVI da Constituição Federal: A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
Assim, denota-se no v. acórdão às fls. 67/73, de Relatoria do Des. Felipe Ferreira, julgado em 04.12.1996 – constou expressamente que:
“A verba sucumbencial dos honorários advocatícios por não representar receita pública e por se constituir em vantagem pessoal dos Procuradores, não integra a remuneração para fins de aferição do teto constitucional. Recurso parcialmente provido, apenas para afastar a fixação do teto, por inexistir pedido nesse sentido. Recurso voluntário não provido.”
Tal decisão transitou em julgado (cf. fls. 75), entendendo que os honorários não representam verba pública, sendo paga pelos sucumbentes, estando fora do teto, portanto.
Por sua vez, não é possível que agora, violando a coisa julgada formada, seja reapreciada a presente questão – “possibilidade de incidência da verba honorária recebida pela impetrante, no teto remuneratório”.
Por tal premissa, não há que se falar em devolução dos valores recebido sob este título, como pretende a Municipalidade, já que o direito da impetrante, como visto, está consolidado.
Note-se que, a constatação da coisa julgada a favor da impetrante, já foi objeto do v. acórdão nº 0058831-27.2012.8.26.0000, quando do julgamento do Agravo de Instrumento:
Relator (a): Claudio Augusto Pedrassi
Comarca: São Paulo
Órgão julgador: 2ª Câmara de Direito Público
Data do julgamento: 19/06/2012
Data de registro: 20/06/2012
Outros números: 588312720128260000
Ementa: HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Teto Remuneratório.
Mandado de Segurança. Pretensão à modificação da liminar que deixou de imputar a Fazenda obrigação de se abster de incluir a verba honorária da agravante para fins do cálculo do teto remuneratório. Possibilidade.
Questão acobertada pela coisa julgada em favor da agravante. Presença do fumus boni iuris e periculum in mora. Decisão reformada. Recurso provido.
Neste sentido, ainda, outros precedentes deste Tribunal:
Apelação Com Revisão 0098918-35.2006.8.26.0000
Relator(a): Escutari de Almeida
Comarca: Campinas
Órgão julgador: 4ª Câmara de Direito Público
Data do julgamento: 18/05/2009
Data de registro: 29/06/2009
Outros números: 6196785000
Ementa: EMBARGOS À EXECUÇÃO DE SENTENÇA – SERVIDORA PÚBLICA MUNICIPAL APOSENTADA – TETO REMUNERATÓRIO – INCIDÊNCIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N° 41/2003 – INADMISSIBILIDADE – INTANGIBILIDADE DA COISA JULGADA COM AS CONSEQÜENTES VANTAGENS INCORPORADAS AO PATRIMÔNIO DA TITULAR ANTES DO ADVENTO DA CITADA EMENDA – IRREDUTIBILIDADE DOS PROVENTOS PRESERVADOS EM CONSONÂNCIA COM O DISPOSTO NO ARTIGO 5 o XXXVI DA CARTA MAGNA. VANTAGENS COM REDUÇÕES E INCIDENTES APENAS SOBRE O PADRÃO SALARIAL E NÃO SOBRE OS PROVENTOS TOTAIS PERCEBIDOS – DESCABIMENTO – SENTENÇA REFORMADA. RECURSO DA EMBARGADA PROVIDO, IMPROVIDO O DA EMBARGANTE.
5. Desta forma, ante a existência de decisão sobre a questão, que ao contrário do apontado na sentença, não foi atingida pelas Emendas posteriores, evidente a carência da ação por falta de interesse processual.
Não necessita a autora de nova providência jurisdicional, pois já tem decisão transitada em julgado a seu favor, que deve ser observada pelo ente público.
Logo, deve a ação ser extinta, nos termos do art. 267, inc. VI do Código de Processo Civil.
6. Considera-se prequestionada toda matéria infraconstitucional e constitucional aventada, observado que é desnecessária a citação numérica dos dispositivos legais, bastando que a questão posta tenha sido analisada.
Ante o exposto, não conheço o reexame necessário, o recurso voluntário da autora e da Municipalidade, para reformar a r. sentença de ofício e, julgar o processo extinto sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC, ante a ausência do interesse de agir, sem fixação de sucumbência.
Cláudio Augusto Pedrassi
Relator